quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

MEDIDAS PROVISÓRIAS DE AUTO-DEFINIÇÃO - II







Se andei desconjuntado de corpo foi porque a alma que colaram nele era demasiadamente densa, se os meus olhos queimaram olhares faiscantes, se de dentro deles emergia uma pálida luz é que na alma havia uma chama de brasa sempre acesa, e foi esta mesma chama que por tantas vezes feriu meus pés. Se escalei montes e desci abismos, se colhi o vôo dos pássaros, se amei os insetos rastejantes, se beijei cactos em vez de amantes, se fui na vida um peregrino errante, foi em busca, meu Deus, do perdão por nem mesmo conseguir arrepender-me.

MEDIDAS PROVISÓRIAS DE AUTO-DEFINIÇÃO

GILMAR VERMELHO


Eu sou o mar dividido ao meio.

Animais, gentes, crenças, deuses e séculos atravessam-me. Sou o mar dividido e contido – por milagre – em sua fúria e beleza. Saio porém de meu epicentro de águas profundas e dúbias e ando despretenso pelas margens, caminho sobre a areia até não chegar em nada. O mar vem a mim, sutil pelas beiradas; vem com sedução barata a lamber meus pés, convida-me a entrega. Retiro-me de súbito e após retorno, sou virgem difícil. Ele retoma as investidas, agora ousado lambe-me mais acima no joelho. Molhado de desejo, não mais resisto, doidamente entrego-me inteiro aos seus lábios com sede de infinito