quinta-feira, 8 de março de 2012




A MULHER É UM SEXO FRÁGIL SIM!

“Dizem que a mulher é um sexo frágil, mas que mentira absurda!”. Chico Buarque equivocou-se.  A mulher, caso queira ser mulher, será obrigatoriamente um sexo frágil. Do contrário, será qualquer outra coisa, menos mulher.
Antes que as feministas e “Pós-modernistaszinhos” de plantão me atirem pedras, explico-me:
A mulher, verdadeiramente mulher, é preciso que se enfatize, tem a fragilidade dos poetas, a suavidade de um pássaro, a delicadeza de uma rosa a se abrir, a leveza do sol tecendo a poesia de uma displicente manhã. Esta fragilidade e sutileza que não quero ver desaparecer das almas femininas, longe de serem sinônimos de fraqueza e inferioridade, concentram-se em si mesmas a beleza e a força da mulher.
Ligo a TV, abro e-mail, vejo nas redes sociais um “cem números” de mensagens homenageando a mulher pelo seu dia Internacional, homenagens que invariavelmente resumem-se a exaltar a posição de comando e o lugar de destaque conquistados heroicamente pelas descendentes de Eva. Propala-se exaustivamente suas façanhas no mercado de trabalho, sua liderança sobre os homens, etc. como se falar do infinito e fascinante universo feminino se restringisse apenas a ressaltar as tais conquistas femininas.
Não pense, caro leitor (a), que sou um uma mente machista e enferrujada, contrária à participação da mulher na vida social. Contudo, lamento que na tentativa de afirma-se nesta sociedade de raízes inegavelmente patriarcalistas a mulher, aos poucos, esteja perdendo a sua identidade, abrindo mão de elementos que as tornam seres únicos, fascinantes e essenciais à vida.
Essa fragilidade, na qual insisto, é um bom exemplo. A mulher “Pós-moderna” treme de medo ou de raiva de ser associada a qualquer imagem que insinue ternura ou delicadeza.
Admiro mulheres inteligentes (elas não me assustam!), profissionais competentíssimas e que nem por isso, furtam-se ao prazer de serem boas donas de casa, boas mães e boas esposas. Mulheres que não saem de casa sem atualizar o batom e não abrem mão de tê-lo sempre a tiracolo, que usam florzinha no cabelo e adoram um bom vestido romântico, nada contra calças, “shorts” e mini blusas, mas é que poucas coisas na vida são tão graciosas como uma mulher de vestido...
Mulheres femininas possuem o faro da verdade na voz, a leveza da poesia no sorriso, a doçura do mel nos lábios, a graça das águias nos gestos, o mistério do anoitecer nos olhos, a chama da vida nos braços, a magia da transformação no toque, o milagre da continuidade da existência no ventre, a disposição pra viver nos sonhos...
A força descomunal de Sanção destruiu leões e outras férias selvagens, entretanto, dobrou-se ante a fragilidade sedutora de Dalila. Agora vos pergunto, mulheres, quem é mais forte, a “força masculina” ou a “fragilidade feminina”?
Pergunta tola essa minha!
Questões envolvendo homens e mulheres jamais deveriam ser tratadas sob esse prisma, o prisma da competição e da disputa: “Quem pode mais?” “Quem é mais forte?”, “Quem é mais competente”? Tolice pensar assim. Afinal, força e fragilidade são opostos que se atraem e se complementam. São extremos que se combinam e se necessitam, como o sol e a lua, o som e o silêncio...

Feliz dia das mulheres!


(Gil Guimarães)

quarta-feira, 7 de março de 2012





AMOR PLATÔNICO

O silêncio habitado
por duas almas que falam o mesmo idioma
separadas por mundos intransponíveis.


(Gil Guimarães)



domingo, 4 de março de 2012




LUZ DIURNA

A luz deste dia longo que outrora resplandecia absoluta com a firmeza das rochas milenares, por fim principia a diluição etérea a que está fadada toda alma e matéria, lânguida então fenece como tudo que um dia emana. Contudo, não é sem saudade, sem dor, que ela deserta. Tenho mesmo a impressão, luz diurna, que só te esvais por não poderes ficar, pois a sombra se agiganta na contra-mão de ti. E vejo o teu penar vagaroso em partir; como te agarras em prantos de cinza aos pés do dia findo antes de regressar àquele lugar incorpóreo, aquele tempo atemporal, aonde habita a escuridão dos seres de todos os séculos, sexos, credos e raças. Ó, luz diurna que fenece, leva contigo as minhas dores...


(Gil Guimarães)

sábado, 3 de março de 2012




AMAPOLAS


Amar:
Pô-las
no mar!

(Gil Guimarães) 

sexta-feira, 2 de março de 2012








PROFISSÃO HUMANA


Pisavam a penumbra dos dias

Sobre a borda irregular do abismo

Seguiam resolutos um andor vazio.


(Gil Guimarães)







“SE ME CHAMASSE RAIMUNDO”...

Gil Guimarães
           
Ainda vejo tua face invisível nas águas escuras e profundas. Minha mãe e outras mulheres da redondeza iam lavar roupa nas pedras do velho rio. Os meninos da minha idade e eu adorávamos aqueles dias. Enquanto nossas mães lavavam as roupas, nós lavávamos a alma nas águas escuras do rio, engolíamos piaba para ficarmos fortes. Lembro-me ainda com certo frio na barriga do perigo que era saltarmos daquela ponte quase em ruínas, das aventuras dentro da mata em busca de passarinho.
            Costumávamos subir rio acima pelas margens. Numa dessas caminhadas afastei-me dos outros meninos e passei para a terceira margem do rio. Foi de lá que eu o vi pela primeira vez, estava no meio do rio, de pé sobre as águas e não afundava, era um homem já velho de baixa estatura, usava um chapéu de massa preto e redondo, ele olhava em minha direção fixamente como se notasse que eu o observava. Trocamos olhares e silêncios por alguns minutos seguidos, até que eu quebrei o encanto, movido menos pelo susto do que pela surpresa. Gritei os meninos que estavam do outro lado do rio, com desespero e alegria. “Venham! Venham ver!” Era como se tivesse encontrado um tesouro enterrado num campo distante e precisasse de ajuda para retirá-lo da terra. Queria mostrar aos meus amigos aquela figura enigmática que, indiferente aos meus gritos, continuava ali, tesa, a me olhar.
Os meninos chegaram perto de mim; “ali, ali, estão vendo aquele homem me olhando?” Indaguei-lhes, apontando com o indicador na direção do velho. “Homem? Que homem? Você está ficando é louco, aquilo é um touco”. Respondeu-me um dos garotos juntando-se aos demais nos risos e zombarias. Entretanto, o homem permanecia a me olhar, agora como a revelar compaixão a meu respeito. Depois de algum tempo retornei ao lugar aonde minha mãe lavava roupa, não quis comentar o episódio com ela, já me bastava ser chamado de louco pelos colegas. No fim daquela tarde voltamos para casa; nós, o sol e o céu azul de nuvens mansas.
Nunca mais seria o mesmo depois daquele banho no rio, o rio jamais o mesmo seria, só aquele desconhecido seria sempre o mesmo dentro dos meus olhos.
Outras vezes regressei ao rio, meu olhar já fitava a direção em que aparecera o homem estranho, mas ele já não estava mais lá.
A vida corria normalmente no povoado, como o rio corre pro mar. Todavia, eu sabia que o rio faz curvas...
***

Nossa casa, na beira da estrada, foi o oásis mais óbvio para um viajante sedento que passava. “Moça, tenho sede”, disse a minha mãe o homem de baixa estatura, já velho e que usava chapéu de massa preto e redondo. Tinha voz claudicante, minha mãe lhe deu água, ele bebeu, sentou-se um pouco debaixo da árvore no meio do terreiro e após certo tempo seguiu sua estrada, sem dizer palavra. Minha mãe me disse que se tratava de algum doido. Os doidos sempre passavam na estrada e pediam comida ou água.
Outras vezes o homem passaria no povoado, silencioso como raiz de mato, jamais qualquer morador dali ouvira “um bom dia” ou “uma boa tarde” sua.
 Tanto silêncio, contribuiu para espalhar nas redondezas sua fama de doido. Muitos pais já não deixavam suas crianças brincando no terreiro, outros, quando queriam ameaçar os filhos ou puni-los por alguma desobediência, bradavam: “Vou lhe entregar a Raimundinho!”. As crianças treniam de medo...
Raimundinho, eis o nome que os moradores do lugar deram ao velho moribundo, no diminutivo, creio que por causa do seu tamanho miúdo.
Ninguém sabia o verdadeiro nome de Raimundinho, acredito que não tivesse nome nenhum, ninguém sabia onde ele morava, de onde viera, para onde iria.
            Raimundinho era feito vento de redemoinho; assim imprevisível, cheio de perigo e mistério.
            Eu, todavia, sabia desde sempre a morada de Raimundo, todos queriam descobrir seu esconderijo, saber mais sobre ele, havia mesmo quem o seguisse, no entanto era inútil, pois subitamente desaparecia, feito água do mar que evapora sem que a gente dê conta.
            Gosto de chamá-lo de Raimundo e não de Raimundinho como os meus conterrâneos, faz-me recordar aqueles famosos versos que viria aprender anos mais tarde na escola: “Se me chamasse Raimundo seria rima e não solução, Raimundo vasto Raimundo mais vasto é o meu coração”. Ainda bem que Raimundo não lia poemas, nunca saberia disso. Nem eu lhe diria, porque ele não ouvia quando a gente usava palavras, só ouvia com olhares e silêncios. Por isso escolhera morar no rio, longe das gentes, perto dos matos, dos bichos que não diziam palavras, havia apenas um tipo de barulho que gostava de ouvir: o barulho das águas do rio, das águas escuras e profundas como sua alma.
            Volta e meia Raimundo saía do seu lugar misterioso e passava no povoado para ir à cidade, não se sabe até hoje a que propósito.
            O alvoroço crescia a cada dia entre grandes e pequenos, quando Raimundinho apontava na estrada, portas e janelas iam-se fechando em sincronia.
           
***

Certo dia uma lavadeira desceu ao rio a fim de pegar a roupa que deixara secando na cerca de arame, qual não foi sua surpresa e desespero ao deparar-se com o corpo de uma menina – sua filha – boiando sobre as águas escuras do rio. A perícia logo descartaria a hipótese de afogamento e concluindo que a criança teria sido estuprada, assassinada e posteriormente lançada ao rio para sugerir afogamento, e assim despistar as investigações.
            O caso chocou o povoado, até ali de vida monótona e pacata. As famílias, em pânico, já não permitiam nenhuma criança pôr o pé na rua, a não ser em companhia de um adulto.
            Todas as suspeitas do crime brutal, naturalmente, recaíram sobre Raimundinho, ainda mais porque este fora visto vindo do rio pela mãe da criança na ocasião em que ela descera até ali para buscar as roupas.
            Raimundinho foi preso e torturado para confessar o crime, os soldados cansaram de bater o velho infeliz, mas não havia método de tortura capaz de arrancar-lhe um simples “ai” ou mesmo um natural pedido de clemência. O silêncio de Raimundinho irritava demasiadamente os soldados, os quais a cada dia intensificavam tanto quanto possível a dose de maus-tratos. E assim, seguiram-se intermináveis anos e nada se provou contra Raimundinho nem tampouco ele pronunciou qualquer palavra em todo esse tempo de prisão.
           
***

“Raimundinho é solto por falta de provas”. A notícia foi recebida com grande temor pela gente do povoado. Entretanto, Raimundinho retomou sua antiga rotina como se nada lhe tivesse acontecido, passava quieto na estrada, como sempre. As crianças, agora, e também os adultos, temiam-lhe mil vezes mais do que antes. Eu, contudo, nunca tive medo dele, não me escondia quando ele passava, ao contrário, ia para o terreiro (escondido de minha mãe) com o intuito de vê-lo, ele parava diante de mim, olhava-me como daquela vez primeira que nos vimos no rio, ele não precisava pedir água, eu já sabia, e lhe dava com prazer. Ele bebia, devolvia-me o copo e continuava a me olhar como quem implora por compreensão e consolo e depois seguia seu caminho de mistério.
            Descobrir sua morada para a gente do povoado não era mais uma questão de curiosidade, mas de necessidade, era preciso conhecer seu “habitat” secreto para melhor poder defender-se.
            Eu sabia o lugar que Raimundo morava e a ninguém poderia dizer, daí porque Raimundo sempre demonstrou confiar em mim e se mostrara a mim primeiramente no rio.

***

 Nunca disse a ninguém no tempo da minha infância, somente agora revelarei a morada de Raimundo, agora que ele já não está mais aqui e que eu já sou crescido, posso dizer: Raimundo morava no coração do mundo e o mundo morava no coração de Raimundo. Está dito e pronto final.
            Hoje, depois de grande, tento entender melhor aquele mundo sem explicação. Às vezes penso que Raimundo era uma palavra que ficou entalada na garganta do mundo sem poder sair, outras vezes imagino que talvez ele fosse um heterônimo desconhecido daquele poeta português, um heterônimo mudo que só existiu para habitar o silêncio do poeta. Nunca soube nem saberei quem foi aquele ser enigmático, e é por esse motivo mesmo que ainda hoje o amo e me lembro do seu rosto com a mesma nitidez da primeira vez.
            Raimundinho morreu com o tempo, assim como o rio de águas escuras e profundas desaparece dentro do mar infinito. Sua morte, tal qual sua vida, foi cercada de silêncio e mistério: Uns dizem que ele morreu de câncer no fígado, sofrendo solitário no meio do mato, outros, que ele fora picado por cobra venenosa, há os que garantem o seu assassinato, os que sugerem que ele teria se matado nas águas escuras e profundas do rio; um poeta da região afirma em seus versos que Raimundo não morreu, transformou-se numa bela borboleta preta que ainda hoje sobrevoa as três margens do rio colhendo o néctar de uma rosa que nasceu num lugar difícil das águas, aonde gente não vai.
            Diga o que quiserem sobre a morte de Raimundo, quanto a mim; guardarei debaixo de sete chaves o nosso segredo.